terça-feira, 19 de novembro de 2013
Quem escolhe Maria como nome de guerra?
E Maria - a única puta que eu conheço que tem nome de virgem - me disse embaixo daquela chuva filha da puta (mas não
dela), que isso de ser especial é uma ilusão. Só ilusão, nada mais.
‘Primeiro que ninguém é realmente especial. É tudo a mesma merda, o
mesmo corpo apodrecendo no gás carbônico das cidades, o mesmo esgoto a
céu aberto. Depois que a gente só diz isso pra tentar dispensar alguém
sem ser tão má, ele é diferente, especial, mas tu não quer ele pra ti.’
Eu ri, confirmei com os olhos, passei um cigarro. Ela fechou o zíper do
casaco e pegou. ‘Depois que, porra, tinha um cliente menina, como é teu
nome mesmo menina?’ Luiza, Maria, Luiza. ‘Então Luiza, tinha um cliente
que eu acreditava que era especial ou que eu era especial pra ele’ parou
pra dar mais um trago ‘uma merda assim’ continuou. ‘Ele vinha aqui uma,
duas vezes por semana, só pra saber se eu tava bem. Sem sexo, tu
acredita? Sem sexo. Me trazia chocolate, rosas, toda essa piegagem de
merda. Essa palavra existe? Se não existe não importa, tô inventando. E
dinheiro, claro, trazia dinheiro. Eu não queria aceitar, mas ele trazia.
Então, ele vinha. Me falava de Deus, tu acredita? Nesse inferno ele
ousava me falar de Deus. Não queria me catequizar nem nada, é por isso
que eu gostava dele. Nessa merda de mundo ele era o único, o único, que
me fazia acreditar em Deus.’ Parou e pareceu que tava perdida em algum
pensamento, com a chuva molhando o rosto e o cigarro, eu nunca soube se
ela tava chorando. E então? Perguntei. ‘E então ele sumiu, porra, sumiu.
Sem aviso, sem telefonema, sem nada, sumiu. Pensei que tinha acontecido
alguma coisa e odiei não ter nenhum telefone dele pra saber e achei que
ele me avisaria de alguma coisa, uma viagem, uma doença terminal, sei
lá porra, achei. Porque eu pensei que era especial’ E começou a rir
desesperadamente, descontroladamente. ‘Especial, veja só, especial. Eu
já pensei em sair dessa porra e não saí porque não queria perder o que a
gente tinha, não queria quebrar o frágil equilíbrio. Vê só Luiza, Luiza né? Eu pareço agora uma pré-adolescente burra, falando de ser especial,
e de frágil equilíbrio, mas é que acabou meu cigarro, me dá mais um
cigarro’ Peguei um e passei a carteira, já no fim, pra ela. Acendeu e
respirou fundo ‘É que essa porra realmente me magoou.’ Apontou pra uma
banca de revistas fechada do outro lado da rua, ‘tá vendo aquela banca
ali? Encontrei ele lá, três meses depois que tinha sumido. Diferente,
sem barba. Mais novo até. Fez de conta que não me viu, fez de conta que
não me viu. É esse o fim dessa merda de história, ser especial é uma
mentira, como todo o resto. Se você se sentir assim em relação a alguém,
beba mais uma dose, trepe com um desconhecido, leia alguma filosofia
abstrata que te faça ver o quanto tudo é nada. Porque é. E ser especial é
das mentiras mais feias.’ Se levantou, pisou na carteira de cigarros
vazia, jogou o último fora.’ Agora tenho que dar, você também devia.’ Eu
sorri. Que puta mais triste, essa. ‘Valeu pelos cigarros.’ Não dei. Às
vezes eu acho que absorvo a tristeza dos outros ou algo do tipo. Alguém
tem que se importar, não é? Tem mesmo? Voltei pra casa e ouvi o mesmo
vinil repetidas vezes, dormi molhada, fedendo a cigarro e sonhos
perdidos. Acordei gripada, merda.
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